Mayra Andrade, actua e Sta Maria perante mais de 40000 pessoas
Uma noite de Janeiro em 2004, amadurecido por uma espécie de rumor que me percorria há algum tempo, fiz escala no Satellit Café, um clube de música ao vivo no bairro Oberkampf de Paris, conhecido por lançar em órbita novos talentos da chamada « world ». Foi aí que entrei em estado de choque, porque uma descoberta assim não acontece todos os dias : Mayra Andrade redesenha os contornos musicais do seu país, Cabo Verde, com graça, aprumo, e, coisa rara para uma jovem que ainda não chegou aos vinte anos de idade, contida. Obviamente, sabemos, graças a Cesária Évora, onde fica esse arquipélago (a 500 km de distância do Senegal) e descobre-se que essa terra árida não canta num só tom, pois é abundante de ritmos, Morna, Coladera, Funana, Batuque, que ela é rica em autores e intérpretes, raramente a viverem no seu país, longe das suas origens, mesmoexilados.
Mayra não é uma exilada. Vive em Paris desde 2003 e os seus pais transmitiram-lhe o gosto do balanço: nascida em Cuba, cresceu entre o Senegal, Angola, Alemanha e ainda… Cabo Verde. As suas amigas de infância são brasileiras. Mas foi com uma canção do seu país, em crioulo cabo-verdeano, que ela ganhou a Medalha de ouro nos Jogos da Francofonia no Canadá, entre 35 concorrentes. Tinha então 16 anos. Mayra incendeia os palcos, na Praia e no Mindelo (em Cabo Verde), depois em Lisboa, e, finalmente em França, a partir de 2002, desde as pequenas salas parisienses até aos grandes festivais de Verão. Assegura a primeira parte de Cesária Évora no New Morning. No Brasil, representa ainda uma vez o seu país, com um single a favor da luta contra a Sida, ao lado de Lenine e Chico Buarque, entre outros. Em 2005, Aznavour convida Mayra para o seu novo album, num duo em francês. Por onde ela se mostra, o seu talento impõe-se.
Eis-nos então chegados a “Navega”. Um álbum contagiante, que tem uma produção simples, em tons acústicos, no qual ela afirma convictamente a sua liberdade. É verdade que ela canta… 93% na língua patrimonial do arquipélago, mas é o disco de uma cabo-verdeana urbana, e que, além do mais, é parisiense.
Ela transmite e remexe essa vivência parisiense, com dois dos seus pilares (o baixista dos Camarões Etienne Mbappé e o seu companheiro de palco, o percussionista brasileiro Zé Luis Nascimento) e traz com ela um notável guitarrista, seu compatriota, Kim Alves. Alguns convidados de peso são o virtuoso brasileiro
Hamilton de Holanda (bandolim), o duende de Madagascar Régis Gizavo (acordeão), o violoncelista Vincent Segal, seus cúmplices de palco, e os guitarristas brasileiros Tarcisio Gondim e Nelson Ferreira. Em destaque, uma canção em francês, a única, graças ao inesperado Téte, "Comme s'il en pleuvait", numa interpretação reguila. Um álbum subtilmente produzido por um especialista do género, Jacques Ehrhart (Henri Salvador, Camille, …).
Estes ingredientes, jazz, afro, e brasileiros dão outros reflexos às músicas que vêm do arquipélago (quatro são da autoria do importante autor e compositor Orlando Pantera, recentemente desaparecido, outras vêm de penas inspiradas de Cabo Verde). Três temas saíram da pena de Mayra Andrade, em colaboração com Patrice Larose.
Enquanto se devora o disco, aprecie também os textos (com tradução…), onde o drama está ao lado do cómico, o exílio onde se perde o destino choca com a democracia que não sabe para onde vai, personagens sem idade cruzam-se com figuras de outra idade..
Com “Navega”, com uma voz de fazer transbordar as almas e de enlouquecer os corações, Mayra Andrade domina no seu balcão e navega… para conquistar os mares e as terras.
Grande, já demasiado grande
Fonte: Site Oficial